sábado, 23 de agosto de 2008

Onde o silêncio é o maior diálogo



Dia desses eu tava lendo algumas coisas sobre o maravilhoso filme de Walter Salles Jr., Central do Brasil. Muitas coisas boas, óbvio, mas alguns absurdos do tipo "Como um filho de banqueiro pode querer falar sobre a pobreza?". Esse é o tipo de preconceito que detona qualquer boa intenção, qualquer boa vontade. Walter Salles é herdeiro do Unibanco, fato, mas isso não impede que ele tenha uma visão de mundo e do Brasil que seja única, mesmo que melancólica. E, se isso for mentira, pelo menos ele tem sensibilidade para filmar com beleza um roteiro muito bem escrito. Precisava começar isso aqui dizendo isso.

Mas uma das coisas que me motivou a escrever esse texto foi a soundtrack do filme, de autoria de Jacques Morelenbaum e Antônio Pinto. Foi assim: estando entediado, resolvi baixar algumas trilhas sonoras que ainda me faltavam e, quando procurava pela trilha que o Alan Silvestri fez para Contato - o filme sobre o qual escrevi semana passada - achei lá o Central do Brasil, como que pedindo para ser escutado. Não pensei duas vezes, "vai esse!", foi o que me passou pela cabeça. E foi mesmo. Ao ouvir os primeiros segundos da primeira música, que é o tema principal, veio tudo aquilo de volta, todo aquele sentimento bonito que eu sinto toda vez que toco o filme no meu DVD ou vejo na TV ou mesmo quando lembro de quando vi pela primeira vez, na Globo, alguns dias depois do Oscar 1999.

Central do Brasil é o tipo de filme que serve de exemplo pra quase tudo. Como cinema é impecável, a direção de Salles é uma coisa que me deixa perplexo até hoje, dez anos depois de ter sido lançado: sempre tenho aquela impressão de que ele não está captando o ator interpretando o papel que lhe cabe, mas sim o sentimento mais profundo do personagem se materializando no rosto do ator. Okay, isso seria a base de qualquer película, mas nesse caso, até as rugas de Fernanda Montenegro querem dizer algo, mostram o sofrimento contido que sua personagem, Dora, já passou por uma vida toda e que agora se renova com a sua segunda chance.

Falando nela, é claro. Fernanda Montenegro, minha atriz brasileira favorita disparada, ganhou esse título pra mim depois que eu vi esse filme. Nunca torci tanto numa premiação do Oscar, nem quando o Fernando Meirelles foi indicado pela direção de Cidade de Deus. A Dora que Montenegro nos entrega nos enoja no início, mas com o passar da projeção, não tem como não simpatizar e sentir pena de toda a penúria que ela passa para ajudar Josué, o moleque que quer encontrar o pai. Jamais que Gwyneth Paltrow teve uma interpretação melhor que ela e que merecesse o Oscar. Pode parecer devaneio de um nacionalista, mas não é, até porque não sou nacionalista. É porque ela realmente merecia ganhar o Oscar de Melhor Atriz. Já o de Filme Estrangeiro, meu coração se dividiu: Roberto Benigni tinha ganho minha alma com o seu A Vida é Bela, tanto que chorei quando ele ganhou o Oscar de Ator naquele ano. Sério. Nessa vida a gente paga cada mico... ainda assim, "buon giorno, principessa" é um bordão que uso com meus amigos até hoje.

O filme gira em torno da viagem que Dora e Josué - Vinícius de Oliveira então baixinho e novinho - fazem pelo Brasil para encontrar o pai do garoto, que acaba de perder a mãe atropelada em frente a Central do Brasil, no Rio, onde Dora escreve cartas para analfabetos. O interessante é perceber que Dora é infeliz, amarga apenas porque acha que a vida passou e que não tem mais como recuperar nada. Josué e a viagem aparecem em sua vida como escape para a sua frustração, e ela acaba por passar por aquelas experiências que todo mundo precisa ter na vida pelo menos uma vez, que é a descoberta de si mesmo. Interessantíssimo.

Eu conheço gente que não gosta do filme. Não sei como não gosta. É lindo de doer, triste de doer, foi o filme nacional definitivo na década de 90. Depois, veio os anos 2000, os "filmes de favela", "cinema verdade", e estamos nessa crueza toda que é até legal, mas tem hora que enjoa. Pra que ver os problemas sociais na tela do cinema sendo que já vemos isso todo dia, no jornal? Basta ligar a televisão. O cinema é um instrumento que podemos usar para viajar em histórias que nos engrandeçam, que nos façam esquecer do nosso cotidiano e que nos inspirem. Nesse quesito, Central do Brasil me parece servir para fazer com que, ao final da projeção, a gente se sinta leve, sabendo que também podemos, como Dora, ter a nossa vez, mesmo que ela possa demorar. Todos tem a sua vez. Basta saber aproveitar a hora certa.

Central do Brasil
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 112 minutos
Ano de Lançamento: 1998
Direção: Walter Salles
Roteiro: João Emanuel Carneiro e Marcos Bernstein
Música: Antônio Pinto e Jacques Morelembaum
Direção de Fotografia: Wálter Carvalho

8 comentários:

Renato disse...

qual a cena mais triste?

josué correndo atrás do ônibus da dora X guido marchando pra morte

Mathews disse...

também comento, se bem que eu não vi o filme, não tenho sobre o que falar ._.
ah, quando que vai falar sobre o the virgin suicides? .au

Anônimo disse...

Mais uma excelente crítica.
E o filme é belíssimo. Meu nacional preferido depois de Cidade de Deus. Mas eu preciso reve-lo.

Ciao!

Romulo Perrone disse...

Boa critica!
Caro Luiz vc tem muitos blogs relacionados, fiquei ate em duvida qual entrar 1°! hehehe...
Obrigado por aparecer e deixar sua opinião la no CINE CARRANCA! Espero mesmo que apareça mais vezes....

logo logo estarei falando mal de mais alguns filmes, espero que nao ache ruim comigo (como muitos fazem). =)

abraços

Gustavo H.R. disse...

Seu último parágrafo justifica com propriedade, também, a minha preferência por obras como CENTRAL DO BRASIL a essa enxurrada de clones de CIDADE DE DEUS (exceto TROPA).
O povo não esqueceu do filme, mas bem que poderiam lançar um DVD melhor para nós relembrarmos dele com qualidade ainda maior.

Pedro Henrique Gomes disse...

Eu demorei muito pra ver Central do Brasil como um grande filme, admito. Porém, hoje gosto muito do filme. Assim como o Wally, acho o melhor nacional depois de Cidade de Deus.

Abraço!!!

Miriam disse...

Fiquei emocionada ao ler sua crítica a este filme que gosto demais. Sempre me emociono quando assisto e acho muito verdadeiro e concordo com você quando diz que qualquer pessoa rica ou pobre pode enxergar os excluídos e se emocionar com a realidade deles.
Fiquei tão chateada pelo filme não ter ganho o ôscar que nem assisti "A vida é bela".
Beijos

Anônimo disse...

Faz muito tempo que vi esse filme, então não me lembro o suficiente pra fazer um comentário, mas também não entendo essa birra com o Salles só por causa de sua vida pessoal; tem que saber separar as coisas. Dele vi também o Diários de Motocicleta, que eu adorei na época, mas não sei se gostaria tanto hoje em dia (tem alguns pontos no modo como ele retrata o Che que me parece bem questionável). Enfim, são dois trabalhos que eu preciso muito rever, e acho que vou fazer isso quando Linha de Passe estrear (lá em Cannes os comentários foram muito positivos e o trailer é bem bonito, tô curioso).

E pelo visto o blog é recém-nascido, né? Desejo boa sorte e vou passar a acompanhá-lo! ;)